Mergulhando no oceano do teatro

O primeiro dia de ensaio da nova peça eu estava ansioso, não sabia o qual seria meu papel, nem meu par em cena, mas eu tinha minhas preferencias, sentamos todos, para aguardar a chegada do diretor, o silêncio reinava no espaço, o que era algo raro, afinal todos gostavam muito de falar, ele entrou, sentou em sua cadeira e quando ia começar a falar, chegou uma nova aluna, atrasada, e despertou os olhares de todos.

De onde estávamos não dava para ver o rosto daquela moça, mas quando ela começou se aproximar do palco onde estávamos, foi como se os holofotes a seguissem, ela brilhava, tinha cabelos longos pretos, um nariz pequeno, um sorriso encantador, e a cor dos seus olhos mudavam de acordo com a luz. Observava-a e aquele trajeto que para mim durava uns 30 segundos, ela parecia fazê-lo desfilando, era como se tivesse ali há muito tempo.

Ela chegou sorriu novamente, e o diretor apresentou-a, dizendo: “Essa é a Júlia, ela tem 20 anos, e vêm de outra companhia de teatro, uma excelente atriz, tive a oportunidade de vê-la atuando, e esse brilho todo se repete no palco”, ela ficou vermelha, com um tom de voz baixo, agradeceu, sorriu e disse oi a todos que ali estavam, sentou-se bem na minha frente.

O diretor começou a falar sobre nova peça, e para minha surpresa era Shakespeare, um texto difícil, porém delicioso, Romeu e Julieta, o grande clássico da dramaturgia, romance mais trágico de todos os tempos, e que ainda inspira muitos casais. Como um bom ator eu amava Shakespeare e conhecia todo a sua obra, estava ansioso pelo meu papel, almejava fazer Romeu, mas era apaixonado por todos os outros.

Fomos informados que a escolha dos personagens seria através de uma audição, e que todos poderiam se inscrever para o papel que desejassem, e depois seriam remanejados de acordo com a sua desenvoltura, logo levantei a mão e me inscrevi para o papel do apaixonado e corajoso Romeu, mais 7 atores optaram pelo mesmo que eu, e 9 atrizes quiseram fazer a Julieta, teríamos 30 minutos para decorar um trecho da peça e as audições seriam iniciadas.

Sentei-me a beira da ribalta, peguei meu texto e abri-o meus olhos foram levados direto para o trecho em que o personagem dizia “O paraíso está aqui onde vive Julieta; e cada gato, cachorro, camundongo, cada coisa, por mais insignificante que seja, vive aqui, no paraíso, e pode olhar para ela; Só Romeu não pode”, fui tomado pela emoção da cena e passei a decorar o trecho e aquele amor foi tomando meu peito, como se Julieta estivesse ali e eu realmente fosse o Montéquio.

O amor desse casal era proibido, pois suas famílias tinham desavenças de muitos anos, e por isso os dois não podiam entregar-se a esse amor, no entanto o amor não escolhe sobrenome, e eu comecei a pensar nisso, nessa linda e triste história que mesmo de forma diferente ainda se repete nos dias de hoje. Fui interrompido pelo diretor que informou que o tempo havia acabado que as audições iriam começar.

Sentei-me na plateia, queimando, louco para que o momento de externar essa emoção chega-se logo, fiquei ali concentrado, repassando o texto em minha mente, primeiro foram as meninas, eu mantive minha cabeça baixa, até que uma delas entrou no palco, na primeira palavra que disse meus olhos foram guiados direto a ela, era a aluna nova, Julia, estava no centro do palco, ela brilhava como nunca, tive a certeza de que quem estava ali era Julieta.

O trecho que ela decorou, assim como meu, era bem curto, mas carregado de emoção, “Romeu, Romeu! Onde estás, meu Romeu? Renega o teu pai e abdica o teu nome; E, se não tiveres coragem, jura que me amas; E eu deixarei de ser Capuleto”, quando ela concluiu o texto eu estava arrepiado, olhei para o lado, uma lágrima havia escorrido dos olhos do meu diretor, e todos estavam em pé aplaudindo-a.

Naquele momento fui levado ao que dizia Stanislavski, sobre exteriorizar o personagem, de tal forma, que não se lembra nem ao menos o que havia feito, mas saísse do palco com a sensação de que fez algo que valeu a pena, tenho certeza que ela sentiu-se assim naquele momento, e fazia muito tempo que eu não vivia isso, já havia passado por essa sensação poucas vezes, mas desejava senti-la todas as vezes que subia ao palco, e decidi que iria fazer isso com o meu Romeu.

As apresentações dos meninos começaram, a cada um que ia, eu fica ainda mais tenso, e com aquela sensação de que teria que botar isso para fora, restava apenas eu e mais um rapaz, ele foi chamado, então me coloquei em pé, fui para a coxia, e comecei a me concentrar e a deixar o personagem tomar conta de mim. Quando ele terminou, eu já estava com a adrenalina lá no teto, louco para que minha vez chegasse, subi no palco, olhei para o publico e comecei.

Quando terminei, e voltei a mim, ouvi os aplausos da plateia, mas sinceramente, não conseguia me lembrar do que eu havia feito, dos meus movimentos e nem da forma como falei, mas meu coração estava disparado, e a sensação de adrenalina ainda estava em mim, conseguia sentir durante a minha atuação, claramente o amor por Julieta, a tristeza por não poder tê-la, e principalmente e coragem de fazer qualquer coisa para estar ao lado dela.

Voltei para a plateia, outros atores fizeram seus papéis, e eu ainda estava em êxtase  com o que acabara de acontecer, enfim as audições acabaram, e o diretor começou seu discurso para anunciar quem teria levado cada personagem, eu estava quase louco de ansiedade, ele falou todos, e deixou Romeu e Julieta para o final, eu e todos os que haviam feito o teste estávamos muito tenso, então ele declarou “ primeiro as damas, e o papel de Julieta, foi difícil escolher, portanto, vou nomear 2 que vão ter revezar no papel, a primeira é a Julia, que chegou hoje, mas já mostrou a que veio, e a segunda é a Alessandra”, fiquei muito feliz e ainda mais ansioso para saber se eu seria o Romeu, a Ale era uma menina linda, baixinha, de cabelos longos e uma das melhores atrizes que conhecia, mas estava com louco para contracenar com Julia.

Depois de muita tensão, o diretor começou a anunciar o vencedor do papel de Romeu, ele começou assim “o teatro é uma arte que precisa ser vivida, a técnica é uma importante, mas se não tiver emoção, paixão e tesão, ela vai fazer de você um ator mediano, um bom ator, tem no palco o seu maior prazer, sua zona de conforto, porém de desafios, e por isso que eu escolhi você …”, minhas mãos suavam e parecia, e voz dele foi se afastando de mim, então ele finalmente falou “Vitor o papel é seu”, eu era Vitor, dei um grito e abracei minha amiga Bruna que se encontrava sentada ao meu lado, não consegui me segurar, estava muito feliz.

O diretor então anunciou que teríamos apenas, algumas horas para decorar o texto, e no dia seguinte já começaria os ensaios, então ele se retirou, eu não podia esperar para começar, estava louco para ir para casa, fechar a porta do meu quarto, e me deliciar naquela obra maravilhosa. Todos vieram me dar os parabéns, pela atuação e pelo papel, inclusive Julia, ela me abraçou, e declarou “vamos atuar juntos em” sorriu e disse em tom de brincadeira “vai ter que me aturar”.

Ela era cheirosa, e estava muito feliz por ter que aturar aquele bela mulher e acima de tudo uma excelente atriz, esse papel me daria à oportunidade de alavancar minha carreira de ator e talvez conhecer a mulher da minha vida, ou pelo menos uma grande amiga. Corri para casa, entrei em meu quarto e mergulhei no oceano chamado teatro, e fui levado longe pela enorme onde de Willian Shakespeare, que me faz parar na ilha Romeu e Julieta, da qual nunca mais desejo sair.

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