Ei? Nem tudo é só para te divertir

Era tarde da noite, eu estava em meu escritório, lá ao longe eu ouvia o som de um violão, não conseguia identificar a música que estava sendo entoada, mas ouvia a voz e riso das pessoas e tinha a impressão que aquele som, que aquela melodia, faziam com que seus corpos dançassem e suas almas sorrissem.

Olhei para o meu computador e para o trabalho que tinha que entregar na segunda-feira para o cliente, era uma campanha publicitária de um “bar cultural”, chamado The Cult, tive a impressão que aquelas pessoas poderiam me ajudar, ouvi-los gerou em mim uma sensação diferente, de alguma forma aquilo me inspirava, mas eu precisava vê-los, fazer uma pesquisa de campo.

Fiquei ainda por alguns minutos ouvindo os acordes do violão, terminei meu café que já estava frio, fui até meu quarto tomei um banho, coloquei um vestido. Era uma noite quente e a lua estava alta no céu, e já estava andando quando vi um casal que discutia a minha frente, passei ao lado deles e não pude deixar de ouvir a conversa. Eles discutiam porque um homem a havia dado “coração” na foto do Facebook dela, ele teria ficado com ciúmes, notei que tinha parado e olhava fixamente para o casal, eles perceberam, disfarcei e continuei andando.

Quando cheguei a origem daquele som que ouvira de meu escritório ainda pensava na discussão que acabara de presenciar, e como uma simples interação via rede social poderia causar tantos problemas, como as pessoas estavam escravas da internet, e do conteúdo que ela produzia, me lembrei de um pensador da sociedade contemporânea que gosto muito, Zygmunt Bauman e sua teoria da liquidez, a chamada “Modernidade Liquida”.

Meus pensamentos foram interrompidos por uma moça que veio até mim, nesse momento já estava sentada no bar de onde vinha aquele som do qual sai à procura. A moça me perguntou se eu iria pedir algo, disse que sim, pedi um suco de morango, e passei a observar as pessoas que ali estavam.

A música que tocava naquele bar levou-me de volta a meus pensamentos, “Meu caro amigo” de Chico Buarque, uma musica que retrata uma fase de nossa história, uma página infeliz desse livro. Pensei em como essa Modernidade Liquida descrita por Bauaman é real, como as coisas se perdem rápido, o valor das pessoas não se mede mais pelo que elas são, mas pelo que elas podem oferecer.

Diante disso comecei a pensar no conceito de minha campanha, como essa sociedade tem mudado a cultura, e transformado ela em mero entretenimento, aliás, tudo tem se tornado entretenimento, as pessoas não estão preocupadas com o que aquilo vai acrescentar, ou vai edificar a elas, mas o quanto aquilo é legal, divertido. Aquela música que estava soando, por exemplo, as pessoas que dançavam, ignoravam a sua história, o movimento cultural que ela representava, ou momento político que ela foi composta, apenas se divertiam com aquele som agradável.

Aquilo me deixou inquieta, eu precisava mostrar para as pessoas que a vida não é só isso, que nem tudo é show ou diversão. Paguei minha conta sem nem ter tomado o suco, corri para casa, sentei em frente ao meu computador, e escrevi essa crônica, e ainda escreverei muitas outras, sim tenho o sonho utópico de mudar a sociedade com as minhas palavras, com a minha arte.